"A alegria não chega apenas no encontro do achado, mas faz parte do processo da busca. E ensinar e aprender não pode dar-se fora da procura, fora da boniteza e da alegria."(Paulo Freire)


domingo, 7 de março de 2010

O garoto que fugia da filosofia


Quando eu era criança me veio o temor de eu não enxergar a mesma cor, que eu denominava verde, que a cor que outros denominavam também de verde. Dávamos o adjetivo “ verde” a um objeto que tinha a cor verde. Concordávamos: aquilo que apontávamos era verde. Mas, será que o “meu verde” era o mesmo que o “verde do outro”? Eu era um filósofo e não sabia. Eu cresci um pouco e achei que perguntas desse tipo não eram sérias, e que era coisa de criança. Quis largar a filosofia, e isso antes mesmo de chegar à adolescência.

Fiquei contente em perceber que a pergunta sobre o verde havia ficado no passado. Estava livre da filosofia! Ah, que bom! Nada de perguntas malucas, que poderiam me atrapalhar não só no esporte, mas também no namoro. Um filósofo não joga bola e ninguém quer namorar um filósofo – assim diziam e assim acreditei. Além disso, perguntas daquele tipo, que até sobreviveram comigo no tempo da escola primária, não tinham trazido pouco dissabor para minha vida em sala de aula. Ah! Livre delas, terminado o tempo da filosofia, eu poderia, enfim, ser normal!

Jogando bola e namorando, tudo iria bem. Os problemas existiam, mas eram outros. No esporte, a questão era a da estratégia no basquetebol. Como fazer o adversário pensar uma coisa que não se iria fazer e, assim, levá-lo a deixar que fosse feito o que eu realmente pretendia. Finta – eis aí o nome da coisa. No namoro, a questão às vezes era parecida, quase como a do basquetebol: as meninas da mesma idade, já bem mais maduras, queriam os moços, os mais velhos, e quando vinham para namorar com garotos, também fintavam: faziam que estavam apaixonadas e nós acreditávamos, mas não estavam. Nesse caso, não era finta o nome que dávamos, era traição. Como nos mordíamos com isso!

Um dia voltei à biblioteca do meu avô, que eu havia abandonado na pré-adolescência. Quando vi estava com um livro de filosofia nas mãos. Ele falava de ética e moral, e eis que os problemas da finta e da traição estavam lá. Enganar, dissimular, trair, divulgar ideologia etc. – tudo lá. Eu pensava ter me livrado da filosofia! Mas ela estava novamente comigo.

Resolvi, então, enfiar a cabeça nos estudos das “matérias principais” Chega de só namorar, só jogar bola e, é claro, chega de resvalar em filosofia. Uma vida normal – eis o que eu queria. Uma vida normal implicava em ter uma profissão. Então, deveria passar no vestibular, fazer universidade e ganhar o chamado mercado de trabalho.

Comecei a estudar matemática para valer. Mas, rapidamente, as coisas ficaram complicadas. Eu havia aprendido bem o Teorema de Pitágoras. E já o havia aplicado à diagonal de um quadrado de lado unitário. Mas, um pouco mais velho, essa operação fez novo sentido para mim. O resultado: raiz quadrada de dois. Ora, mas essa raiz não dá um número que eu possa determinar e, no entanto, estou vendo ali que a diagonal tem começo e fim, tem de ter um número finito determinável. O cálculo mostra uma coisa, a visão mostra outro. Como? Quem estaria certo: o intelecto que aplicou o Teorema ou os olhos que não concordam com o resultado da aplicação? Não foi nem preciso eu voltar à biblioteca do meu avô para ver que estava eu, novamente, envolto com algo que não era só da ordem da matemática, mas da filosofia.

Não podendo vencer o inimigo, tratei de me unir a ele. Aceitei a filosofia como a companheira que iria fazer parte da minha vida. Mas, quando vi, ela era toda a minha vida. Eu já não era nada a não ser filósofo. E eis que me peguei com todos os problemas que citei antes, em níveis diferentes. E então vi que isso dependia de conversa, debate, vida pública, fala com outros. E que isso era possível em um lugar com liberdade. Para ser filósofo, para ser eu mesmo, precisava de liberdade. E aí fui eu pela vida, filosofando e buscando a liberdade. Buscando a liberdade e filosofando.

Ah, o basquete? O tempo tornou as pernas duras. Ah, as mulheres? Gostei bastante e ainda gosto, obrigado! Tenho a melhor delas.

Paulo Ghiraldelli Jr, filósofo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário